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O Ordenamento Jurídico, sistema de normas e princípios do país, fruto da constante atividade legislativa, ocasionalmente proporciona situações de “desencontro” normativo. Diz-se desencontro, pois, de tantas formas e conjunturas político-legislativas, emergem verdadeiras anomalias.
É o curioso caso da fiança recíproca em contratos de locação: situação peculiar, mas perfeitamente válida e dentro das diferentes circunstâncias concebidas pelo legislador.
Sabe-se que a fiança é a garantia mais comumente utilizada nos contratos de locação, pois é normalmente ajustada de forma gratuita, em virtude da relação pessoal do locatário com o seu garantidor. A fiança é uma modalidade de garantia pessoal, que tem como finalidade aumentar a segurança do locador em caso de possível descumprimento do locatário.
O objeto desta discussão surge em contratos com dois ou mais locatários, em que se estipula ser um o fiador do outro – eis a fiança recíproca. Nesta situação, fica nebulosa a distinção dos papéis dos sujeitos da relação, pois todos operam, simultaneamente, como devedores e garantidores; ao mesmo tempo são solidários da mesma dívida, e garantidores um do outro.
Pertinente é a indagação a respeito da utilidade em se ter um locatário fiador do outro. Ora, o que se buscaria com isso? E qual a tal anomalia, que se mencionou na introdução deste texto? As respostas são esclarecidas conjuntamente.
O Ordenamento Jurídico permite a penhora do imóvel que constitua bem de família do fiador (exceção prevista no art. 3º, VII da Lei 8.009/90), mas impede a do locatário – este o verdadeiro devedor. Eis a anomalia: o bem de família do real devedor não está sujeito à penhora; mas, se este mesmo sujeito também “vestir o chapéu” de fiador, seu bem de família poderá ser penhorado, na qualidade de garantidor do seu co-locatário. É que, pela dívida locatícia, não está sujeito à expropriação do seu bem de família; mas o está pela dívida não paga do seu afiançado.
A sagacidade não permite esconder que o objetivo da fiança recíproca é justamente diminuir o risco do locador, permitindo o acesso ao bem de família do locatário em caso de dívida – mas quando este assume outra figura, como fiador. Por outro lado, pode suprir eventual dificuldade dos locatários em encontrar quem os aceite afiançar, viabilizando o negócio almejado.
Esclarece-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, reiteradamente, a validade da fiança recíproca, desde que observada a boa-fé contratual, ou seja, quando ela não é estipulada, por exemplo, no firme propósito de fraudar o crédito.
Nesse campo fértil de peculiaridades jurídicas, ressalta-se a necessidade de correto aconselhamento jurídico, a fim de se auxiliar o processo de tomada de decisão e, com isso, prevenir consequências jurídicas indesejadas.
Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).
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