Lei do Superendividamento: Para devedores uma oportunidade, para credores cautela

Dimitte nobis debita nostra sicut et nos dimitimus debitoribus nostris” – “Perdoe nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores”: É o clamor do devedor, quando pede tratamento similar ao que daria se credor fosse. Mas afinal de contas, como andam as relações entre credores e devedor?

Para tratarmos essa relação um pouco dialética – e, por vezes, até conflituosa – houve certa novidade no ordenamento jurídico brasileiro no que tange a lei 14.181/21. A chamada “Lei do Superendividamento”.

Em cenários de crise, como o vivenciado no Brasil, e até no mundo, as questões se tornam a tônica. Altas inflacionárias, preços em escalada, crédito fácil e sem critério ao consumidor foram os protagonistas de um espetáculo triste denominado “superendividamento” – espetáculo de roteiro bastante conhecido no Brasil. É o fenômeno conceituado como: “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”.

Sob este aspecto, os consumidores passam a contrair inúmeros empréstimos para o custeio de suas necessidades, básicas ou não. E, no acumulado de dívidas com diferentes credores, pagar um significa preterir outro, ao menos sem privar-se do mínimo existencial. Com o intuito de normatizar a oferta de crédito, limitá-la quando abusiva e criar ambiente favorável para renegociação das dívidas, para que credores recebam seus créditos e devedores se livrem de seus débitos, fora editada a lei supramencionada, cujos aspectos relevantes merecem cuidado.

O primeiro aspecto que salta aos olhos é o relativo aos critérios de oferta de crédito. O credor passa a ter obrigação de prestar mais informações ao devedor, quando da contratação de empréstimo ou em vendas a prazo. Devem ser prestadas informações levando-se em conta fatores pessoais do devedor, como idade e nível de instrução. Se ausentes algumas informações essenciais ou oferecido crédito sem consulta às condições do devedor, qualificando o empréstimo ou a venda como irresponsável, o devedor poderá, judicialmente, pleitear a redução dos encargos moratórios, juros, etc.

Outro aspecto relevante é o procedimento denominado de “repactuação de dívidas”. É o processo por meio do qual o devedor poderá convocar todos os seus credores, e repactuar suas dívidas em bloco, mediante audiência de conciliação, em que poderá ser oferecido parcelamento não excedente a 5 (cinco) anos, descontos em encargos moratórios, entre outras facilidades. Dessa forma, todos os credores poderão receber ao mesmo tempo, sem que um seja preterido para o pagamento de outro. Este procedimento permite diálogo entre credores e devedores e, quando assistidas por advogados, as partes podem alcançar termo comum, que lhes atenda os interesses.

Há critérios para a instauração deste procedimento pelo devedor, como ser pessoa natural (não jurídica), estar de boa-fé na contratação e assunção do compromisso de não agravar sua condição de superendividamento. Assim como também há dividas que estão excluídas deste benefício, como as decorrentes de financiamento imobiliário, crédito rural, crédito com garantia real e as dívidas contraídas dolosamente sem o propósito de pagamento.

Por fim, já no campo de interesse do credor, o processo de repactuação de dívidas não significa apenas uma oportunidade. Representa um verdadeiro ônus. Isso porque, sendo intimado para comparecer em audiência de conciliação ou enviar procurador com poderes para transigir, caso o credor não o faça, injustificadamente, o seu crédito ficará suspenso, e interrompidos os encargos moratórios. E mais, seu crédito ficará subordinado ao plano de pagamento aprovado em audiência e será quitado após o pagamento das dívidas mantidas com os credores presentes em audiência.

Em verdade, a lei de superendividamento deve ser observada por múltiplas perspectivas. Por parte do devedor, quando de boa-fé, sinta-se motivado ao cumprimento de suas obrigações. Por parte do credor, forma de obtenção de recursos e ônus de colaboração ao adimplemento de seus créditos. E a participação do advogado se faz fundamental, tanto para verificação do cabimento dos novos procedimentos, quando na defesa dos interesses das partes.

Em meio às orações de devedores e credores, quando há boa-fé e cooperação, o esforço dos patronos e da Justiça é para que todos possam dizer “Amém”.

Evandro Tolentino

Evandro Mendonça Tolentino de Freitas

Formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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